quarta-feira, 24 de abril de 2013

Maria Rachel Coelho explica as novas regras para os Planos de Saúde anunciadas hoje pelo Ministério da Saúde e ANS

Punição rigorosa para Planos de Saúde.

Em entrevista ao Jornal da Globo News, a Professora Maria Rachel Coelho explica as novas regras para punição contra as operadoras de Planos de Saúde que desrespeitam os consumidores.

Veja a entrevista completa em:

http://globotv.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/v/demora-para-marcar-consultas-por-planos-de-saude-e-alvo-de-reclamacoes/2512951/



sexta-feira, 12 de abril de 2013

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Aldeia Guarani Pirarupá - Palhoça - SC

Maria Rachel Coelho com as crianças da Aldeia Pirarupá

 
 
Maria Rachel Coelho com Valderez, Gabriel o mais novo guarani da Aldeia, Vinícius e com o Professor José e sua esposa.
 
Com Gabriel o mais novo guarani da Aldeia Pirarupá




Pirarupá é como se chama a Aldeia Indígena localizada no Massiambú, no Kilômetro 235 da BR 101 em direção ao Sul no Município de Palhoça em Santa Catarina.

Essa unidade local está relacionada e interligada com as demais comunidades Guarani por redes desociabilidade e parentesco definidores do território Guarani denominado Ywy Rupá. Todos os espaços Guarani em Santa Catarina, mesmo que fragmentados e descontínuos em sua base territorial, garantem as condições da sobrevivência física e cultural desse povo, conforme determina a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 231.


Pela BR 101, logo depois que passamos pela Aldeia Itaty tem uma entrada escondida à direita de quem vem do Município de São José em direção ao Sul (estrada geral do Massiambú, s/n). Ao entrarmos, ainda pegamos uns 25 km de estrada de terra, emburacada, mas inesquecível como patos, cavalos e outros animais que atravessam na frente do carro com a maior confiança de que vamos respeitá-los.

Pirarupá, em Guarani, significa o momento em que a maré sobe e as águas do mar trazem os peixes para o rio, formando um“Berço de Peixes”.

A Aldeia é composta de 13 famílias que também foram beneficiadas com a entrega de 10 casas pelo DNIT, assim como ocorreu com a Aldeia Itaty que fica na beira da BR 101.

Os guarani se dedicam a produção de artesanato e esculturas para venda.

Fazem esculturas de macacos, onças, tucanos, corujas, jacarés, entre outros seres que vivem na Floresta, é o que chamam Nhande Ka'aguy Regua (nossos seres da floresta).

No artesanato, cada produto tem seu significado particular e sua crença, tem sua própria história e função dentro da Aldeia. E mesmo sendo comercializados, continuam considerados sagrados para os guarani e usados no cotidiano. Por lá se compra pulseiras, brincos, colares, anéis, presilhas, cintos, tornozeleiras, palitinhos de cabelo e cocares.

Na Aldeia também podemos encontrar instrumentos musicais como chocalhos, paus-de-chuva e flautas o que eles chamam de nhande mba'epu (nossos instrumentos musicais).

Com relação as crianças a maior fofura da Aldeia é Gabriel, o mais novo com 3 meses.

Fizemos uma grande festa com cachorro quente refrigerantes e distribuição de ovos de Páscoa para as 30 crianças da Aldeia.

Tenho consciência que a probabilidade dos indígenas em terem diabetes é muito maior do que dos não-índios e que não estou nada certa levando açucares para as Aldeias. Mas era Páscoa! E uma vez só, de vez em quando não vai fazer tão mal. Eles vivem da agricultura totalmente, até mesmo pelo dificílimo acesso a BR 101. Estão praticamente isolados.

O Professor José que dá aula na escolinha é também um grande curandeiro que na Aldeia chamam de raizeiro. Ele faz garrafadas para diferentes doenças e já se pode comprovar os resultados. Valderez é uma que depois de uma garrafada de José nunca mais deixou de ir a Aldeia.

Fiquei de mandar uma camisa do Botafogo para Vinicius. Na verdade já postei a camisa. Fiquei mesmo é de voltar sempre! A sensação que tive entrando na casa daqueles índios que nem me conheciam e me receberam com tanto carinho é de que eu também estava em casa! E dessa luta não sáio mais!


Os Guarani de Santa Catarina vêm com bastante dificuldade demonstrando que a conquista da cidadania é uma tarefa que se faz cotidianamente. Numa sociedade com tantas diferenças como é a brasileira, na qual a legislação nem sempre é uma referência no balizamento e equacionamento dos conflitos, a luta continua e tem importância crucial.

 
 




Sem o consumismo dos não índios, Aldeia Guarani do Morro dos Cavalos comemora a Páscoa.

Eunice Antunes, primeira cacique da Aldeia
Maria Rachel Coelho e as crianças empolgadas com seus chocolates


Nenhuma criança ficou sem chocolate nessa Páscoa


Evidente que toda criança adora chocolate. Foi com muita alegria que fui recebida pela cacique Eunice e seu pai o Professor Adão no sábado de Aleluia na Aldeia Guarani do Morro dos Cavalos. Não faltou nem um coelhinho ou uma cenoura de chocolate para os curumins.

Receberam os chocolates com empolgação, seus olhos brilhavam e acabamos sentados na Escola lendo livros e conversando sobre a Páscoa. As próprias crianças me contaram um pouco da história da Aldeia, o que fazem além de estudarem e como se divertem com os amigos e com arco e flecha que são produzidos na Aldeia para serem vendidos aos turistas que passam pelo Km 233 da BR 101.

Localizada a aproximadamente 50 km de Florianópolis no bairro da Enseada de Brito, no Município de Palhoça, no Estado de Santa Catarina, com uma população de aproximadamente 200 moradores, divididos em 37 famílias, a Aldeia é demarcada desde a ponte do rio Massiambú até a ponte do rio Brito, no Município de Palhoça, e ocupa os dois lados da rodovia BR-101. O tamanho total é de 1.988 hectares.

O Professor Adão, um dos mais velhos da aldeia, educador e articulador junto à escola guarani nos contou muito sobre a educação guarani, a importância das escolas indígenas e uma educação diferenciada que contribua na valorização da cultura guarani, além de uma formação sobre a cultura brasileira e a língua portuguesa. Os guaranis possuem alfabetização bilíngue: guarani e português. Eles lutaram muito para conquistar o direito de ter suas próprias escolas e de construirem seu processo de ensino, de acordo com sua cultura, sem perder de vista o mundo dos não-índios.

Eunice explicou sobre a educação guarani que, para eles, não faz sentido dividir o conhecimento por disciplinas (matemática, história, língua, geografia etc), pois tudo está relacionado. Então, eles ensinam tudo junto a partir de um tema único.

Uma das referências da Aldeia é também o coral das crianças que cantam e encantam. O coral é acompanhado por violão, violino, um tipo de tambor e um chocalho. As músicas se dividem em vozes de meninos e vozes de meninas, num sistema semelhante à perguntas e respostas, sendo que os meninos "perguntavam" e ambos respondem em uníssono. Depois, Eunice explicou o significado das canções: a primeira, convidava as crianças para ir à casa de reza reverenciar o Grande Espírito e a segunda era como uma oração que dizia ao Grande Espírito que, quando ele chegasse à Terra, todo o povo estaria preparado para recebê-lo e ir para o céu com ele.

Uma mulher cacique

Kunhangue Rembiapo é uma expressão guarani que significa “trabalho das mulheres” e faz todo sentido na Aldeia M’Bya Guarani do Morro dos Cavalos.

Desde os 5.000 anos de ocupação tupi-guarani na região, pela primeira vez uma mulher assumiu o posto de cacique da Aldeia. Eunice Antunes que tem 33 anos, foi eleita com as bênçãos de seu povo e de Nhanderú (o Deus sol e guardião dos Guarani). Eunice vem transformando a vida na Aldeia por meio de uma silenciosa revolução cultural de revalorização das tradições ancestrais.

Com um senso de não-aceitação com o que lhe é imposto, Eunice foi a primeira guarani da região a concluir um curso universitário. Ela foi também a primeira mulher a se tornar professora, e agora a primeira a ser cacique.

Na cultura guarani, a mulher foi desde sempre educada para servir, cuidar dos filhos, sem participar das tomadas de decisão. Mas ela aprendeu que a educação deveria ser algo democrático.

Seu pai, Adão Antunes, ou Karai Tataendy (Karai = líder; Tataendy = chama de fogo) é o escritor da aldeia. Também é professor e já publicou um livro sobre á cultura do povo guarani.

O que faz o cacique?

O cacique tem a função de atender as necessidades da comunidade. “Tem que levar as demandas da aldeia para fora e, da mesma forma, trazer o que é bom para dentro”, diz Eunice Antunes.

Ela explica que, antigamente, a organização indígena tinha o pajé, ou karaí, que era a principal liderança. Era ele quem dava ordens e quem recebia os ensinamentos de Nhanderú (Deus sol) e repassava para o povo. “Depois do contato com os brancos é que se criou a figura do cacique”, conta. No começo, os caciques eram parte de uma estratégia dos guaranis para não serem mortos pelos brancos. Eles se entregavam para não morrer, e serviam como porta vozes, diziam a seu povo o que os brancos mandavam. Eram como executores.

Sobre o "Conflito"

Assim que o Ministro da Justiça, Tarso Genro (substituindo Márcio Thomaz Bastos), assinou a Portaria Declaratória, um grupo de moradores do entorno da Terra Indígena bloqueou a rodovia federal BR 101 em protesto contra o ato do ministro e pedindo a revogação da Portaria.

A pressão contra a demarcação das terras indígenas não é novidade no Brasil. A inoperância e a omissão dos sucessivos governos também fazem parte de nossa história. Com o Estado omisso, são abertas possibilidades para que os contrários às demarcações adquiram mais força e mais espaço nas decisões.

A demarcação de uma Terra Indígena é um procedimento administrativo, porém ela adquire contornos políticos e seu equacionamento verdadeiros embates, muitas vezes judiciais.

Durante os primeiros anos do governo Fernando Henrique Cardoso, esses setores contrários impuseram uma nova metodologia na demarcação das Terras Indígenas, com a edição do Decreto 1775/96 incluindo o contraditório. Esse decreto dificultou enormemente a demarcação de terras no Brasil.

Ainda que faltem diversas etapas para a conclusão do procedimento administrativo, a Portaria Declaratória de 2008 significa que a Terra Indígena foi oficialmente reconhecida.

Com a terra demarcada definitivamente, automaticamente todos vão se sentir mais seguros e vão fortalecer a cultura, assim como, com mais espaço, desenvolver a agricultura. A maioria das taquaras(as plantas medicinais), está na terra indígena, assim como as sementes das quais os índios precisam para fazer artesanato.

Na verdade, houve uma mobilização, não dos moradores que estão dentro da terra indígena, mas de um morador de fora da área e que há tempos persegue os índios dali desde uma matéria da revista Veja, em 2007. Desde que veiculada tal reportagem, começou essa conversa de que vão vir índios do Paraguai, que os índios vão monopolizar as nascentes e demais "fofocas". Apesar disso tudo o processo de demarcação tem ocorrido de forma tranquila. Alguns protestos ocorreram mas tudo pacificamente, inclusive, a maioria dos moradores já procurou a FUNAI.

Após a desintrusão, ocorrerão os processos de homologação e registro da terra. O mais demorado é a desintrusão, pois depende de alguns estudos e negociações. As outras etapas são logo em seguida, e depois de tudo concluído os índios poderão ocupar o outro lado da rodovia também.

Eunice afirma que desde o início da demarcação os índios da Aldeia têm conhecimento que a Enseada de Brito é abastecida com a água que vem da área da terra indígena.

... “Nós não estamos dizendo que somos donos da água, porque ninguém é dono da água, todo mundo precisa e utiliza a água; a gente nunca tomou decisões assim de vandalismo, de ameaça, a gente fez tudo pacificamente; eu acredito que a água não vai ser um problema, ela vai estar dentro da terra indígena, a terra é nossa, mas a água é de todos”... afirma Eunice.

Ocupação do Morro dos Cavalos

Quanto ao questionamento dos moradores da Enseada e do entorno, de que os índios vieram na década de 1990 para o Morro dos Cavalos, ao responder, Eunice remonta à chegada dos portugueses ao Brasil:

...“Eu vou começar lá desde o início, nós falamos da invasão européia, pois antes todo mundo vivia aqui, não tinha limites, era um território bem grande e aí, quando os portugueses foram chegando, os açorianos, espanhóis, alemães foram entrando, quando não dava um conflito, pois tinha aquela parte da evangelização, do trabalho escravo, e o guarani era um dos povos mais pacíficos, que fazia de conta que acreditava no que eles falavam para não morrer, era uma estratégia de sobrevivência, mas muitos fugiram e foram para as encostas”...

A cacique explica que os índios passaram a voltar para as áreas originalmente ocupadas depois da Constituição Federal de 1988, que garante alguns direitos aos indígenas e a partir disso, os que estavam escondidos, camuflados, em vários lugares, começaram a lutar pelos direitos. E aí muitas pessoas ficam pensando: ‘como os índios estão surgindo agora?’, porque antes nós não tínhamos esse direito e era assim, ou brigava e morria ou se submetia à regra deles”.

Eunice considera que a luta indígena assusta ou causa pânico em algumas pessoas. “Porque hoje tem índios que estão na Universidade, que estão cursando Direito, Gestão Ambiental, e estão correndo atrás dos direitos, só hoje, porque hoje é que temos essas garantias constitucionais”, ressalta.

Aldeia Guarani Y’ynn Moroti Werá de Biguaçu - SC

 
 Maria Rachel Coelho na Oca do Ritual OPY DJERE

Maria Rachel Coelho com Ismael Guarani nos preparativos para o OPY  DJERE


                                                                              Dalila Guarani na Oca do OPY DJERE


A Aldeia Indígena M’Guarani localiza-se na Praia de São Miguel no Município de Biguaçu, no Estado de Santa Catarina.

A Aldeia surgiu em 12 de outubro de 1987, situa-se às margens da Rodovia BR-101. Os índios são chamados de Guarani Mbyás, que na língua Guarani significa “gente”. A aldeia possui superfície de 59 hectares e foi homologada como reserva indígena no Governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 05 de maio de 2003.

Conta com uma Escola Indígena Guarani Yynn Moroti Whera (água branca brilhante), na qual os alunos formam um coral muito requisitado para se apresentar em eventos.

Outra atividade desenvolvida pela escola é a educação ambiental, realizada em meio a uma trilha ecológica.


Os índios também fazem artesanato para venda. Confeccionam diversas peças como animais em madeira, colares com semente de açaí e outras sementes, cestos em bambu (miolo) e cipó, instrumentos musicais em madeira, cachimbo, arco e flecha. Esses utensílios podem ser encontrados na Casa de Artesanato Indígena.

Outra atração imperdível que podemos viver na Aldeia é o Ritual do OPY DJERE, " a sáuna indígena" que se dá em um local bem distante e verde onde se faz uma grande fogueira cheia de pedras dentro. Na medida que as pedras viram brasa são colocadas juntamente com algumas ervas, em um buraco em forma de círculo no interior de uma Oca toda especial feita de argila na parte de fora e internamente com estrutura de bambu. A sensação que se tem ao sair do Ritual é de que estamos flutuando, nas nuvens!

Finalmente, um momento inesquecível na Aldeia é a vista que se tem de lá, onde podemos ver toda a Ilha de Florianópolis do outro lado.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Entenda o caso da Demarcação da TI no Morro dos Cavalos

 
A Cacique Eunice com seu pai o Professor Adão, sua mãe e seus 3 filhos.
 


A Aldeia conta com a Escola de Ensino Fundamental Itaty, com 58
alunos de 0 a 12 anos.
 
*Por Maria Rachel Coelho
 
O processo demarcatório da Terra Indígena no Morro dos Cavalos no Município de Palhoça em Santa Catarina, teve início em 1993, quando, a pedido de índios que viviam na região, a Funai lançou a portaria 973 para começar os estudos técnicos, sob coordenação do antropólogo Wagner de Oliveira. 

Concluído em 2000, o relatório não foi aceito pela comunidade indígena presente no Morro dos Cavalos, por desacordo com o que previa a Constituição Federal.

Em função disso, em 2001,  a Funai cria um novo grupo, coordenado pela antropóloga Maria Inês Ladeira, que entrega o relatório final, publicado no Diário Oficial da União em 18 de dezembro de 2002.

De 2003 até 2008, foram várias contestações por parte de moradores da região, Ministério Público Estadual, Fatma, Prefeitura de Palhoça e Procuradoria Geral do Estado. Todas julgadas improcedentes pela Funai e encaminhadas ao Ministério de Justiça. 

Em 2005, o Tribunal de Contas da União encaminhou ao Dnit buscar uma alternativa de traçado para a duplicação da BR-101 que contemplasse o meio ambiente, o aspecto econômico e o direito indígena. O traçado em dois túneis foi o que melhor se encaixou na solicitação do Tribunal. 

Em abril de 2008, o atual Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, à época, Ministro da Justiça, assinou a Portaria Declaratória da área de 1988 hectares no Morro dos Cavalos, a Terra Indígena (TI) Guarani Mbya e Nhandèva. 

Somente em 2010, a Funai fez a medição das construções e concluiu a demarcação física da área. E em dezembro de 2012, foram publicados no Diário Oficial da União os nomes dos 69 proprietários que teriam direito a indenização, caso apresentassem os títulos de posse embora oito famílias terão que deixar a terra após serem notificados sem qualquer indenização em função de terem ocupado a TI depois de 2008. 

2013,  iniciou com muitos  protestos na BR-101, ameaças constantes aos índios e pressão da comunidade da Aldeia Itaty para que a Funai agilizasse o processo.
E finalmente ontem, 1º de abril, chegou à região, o Comitê que vai pagar as indenizações. A partir do pagamento ou notificações (no caso de quem ocupou depois de 2008), o que deve levar dias, o prazo para saída da área é de 30 dias.
Histórico
Ao vender uma terra na região do Morro dos Cavalos por 10 mil cruzados para Walter Alberto Sá Bensousan, em 1985, o índio Guarani Milton Moreira decidia, sem saber, de que lado ficaria no processo demarcatório da Terra Indígena ao Sul de Palhoça, de que tratamos aqui neste artigo.

Ficou contra os 200 índios Guarani Mbya que hoje vivem às margens da BR-101, na Aldeia Itaty, na região do Morro dos Cavalos, em Palhoça, ao som ensurdecedor de carros, ônibus e carretas.

Os índios sofrem total discriminação da população não só do Município de Palhoça como de outras cidades , até mesmo de Florianópolis. Ao parar num bar para tomar uma cerveja logo fui questionada: você não veio aqui pra defender aquela "cambada não, né"? Aqueles ali não são mbya, são mestiços do Paraguai que a Funai usa para lucrar em cima da duplicação da BR-101. As terras são do Beto (como é chamado Walter Alberto Sá Bensousan)".
Mas  se são do Paraguai ou não, não faz a menor diferença. O que esquecem é que quando espanhóis e portugueses invadiram e esbulharam as Américas aqui estavam os indígenas por toda parte. Verdadeiros donos dessas terras.
Paraguaio, guarani mbya, casado com uma guarani xiripá e expulso de três Aldeias distintas de Santa Catarina, Milton é o porta-voz do movimento contrário à demarcação da área de 1988 hectares, cedida pela União aos indígenas através da portaria 771 do Ministério da Justiça de 2008.

Ele e a advogada Suzana Alano, do cartório da comunidade de Enseada de Brito, estiveram neste mês na Assembléia Legislativa para chamar a atenção dos deputados sobre "o caos" , disseram eles, que os índios vão trazer para a região, caso a demarcação se confirme.

Suzana fez as contas e concluiu que 100 mil índios, o equivalente a população total guarani de três países da América do Sul, viriam do Paraguai para a região do Morro dos Cavalos, imediatamente após o sim da Presidência da República pela Terra Indígena (TI).

Apoiada pelo "representante" dos guarani, a advogada alertou ainda que a Funai e os índios terão o controle sobre a água dos moradores da Enseada de Brito e adjacências, já que as nascentes e os reservatórios estão situados no alto do morro, dentro dos 1988 hectares.

Estamos vivendo todos esses  absurdos que são ventilados como verdade nas reuniões do Conselho Comunitário da Enseada de Brito, aumentando a indignação de moradores vizinhos à área e das 69 famílias que possuem propriedades na TI e perderão o título de posse ao final do processo, em um prazo de 30 dias, somente após pagamento da indenização por todas construções feitas sobre a terra.

Na pacata comunidade do Maciambú Pequeno, em Palhoça, onde vivem dentro do espaço destinado aos guarani 20 famílias estão apreensivas pelo desfecho do processo, e por todos os lados, falar em índio resulta em manifestações de ódio.
Reclamam que não tem notícias de nada e só sabem do que o Conselho informa. Que nada é divulgado nos jornais e dizem que a  Funai pode chegar a qualquer momento e retirá-los e que vão lutar até o fim contra os índios.
A Funai, é o órgão responsável por negociar e pagar as quantias para cada família afetada.

A Funai, deu início aos estudos na região do Morro dos Cavalos com a portaria 973, de 1993. Marco inicial do processo demarcatório, lá se vão quase duas décadas de burocracia e contestações, tendo como pano de fundo, além do verde do lugar, a duplicação da BR-101.

Estudo técnico do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) de 2005 concluiu sobre as obras neste trecho da rodovia, que construir mais uma pista com viadutos sairia por R$ 855 milhões, manter a pista atual com mais um túnel simples custaria R$ 719 milhões e a opção de túnel duplo em paralelo com dois sentidos, mais favorável para a comunidade indígena, teria o gasto de R$ 647 milhões. Portanto, mais barato.

Vem desta época o convênio de R$ 11 milhões entre Dnit e Funai, motivado pelo Ministério Público de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, para amenizar os impactos da obra sobre 13 comunidades indígenas presentes ao longo do trecho entre Osório (RS) e Palhoça. A dita compensação aos índios demorou a sair.

Na aldeia do Morro dos Cavalos, por exemplo, passou-se seis anos (2011) até que uma passarela fosse construída para travessia da rodovia, que vitimou mais de 20 índios ao longo dos anos, segundo números da Polícia Rodoviária Federal.

Somente em 2012 foram construídas as 10 casas amarelas de alvenaria que podem ser observadas em passagem pela Aldeia Itaty. Cada uma ao preço de R$ 27 mil. No programa, segundo informou o Dnit, cabe à Funai prestar apoio às comunidades, como na aquisição de animais, benfeitorias rurais, implantação de pomar e consultoria técnica, criando as condições necessárias para a subsistência dos índios. Ações que ainda não foram implantadas ali, como afirma a cacique guarani mbya Eunice Antunes.

Segundo ela, a Funai só chega  a cada três meses e distribui uma cesta básica para cada família. Para outras necessidades da comunidade, a lentidão é muito grande. Tem que fazer vários pedidos até chegar em quem resolve mesmo. Muita burocracia.
Quase duas décadas depois, o momento é o da desintrusão. Fase do processo demarcatório que é considerada a penúltima antes que a Presidência da República determine em definitivo a favor dos índios. Ontem, 1º de abril de 2013, chegou à região o Comitê Permanente de Análise de Benfeitorias da Funai, para acertar o valor da indenização com cada uma das 69 famílias que vivem dentro da área. Oito proprietários não tem direito a indenização, pois ocuparam as terras depois da portaria do MJ.

A quantia será paga por cada investimento feito ao longo dos anos e deve seguir o valor de mercado, segundo informou a Procuradora do Ministério Público Federal Analúcia Hartmann. Somente depois que for efetuado o pagamento por parte da Funai, começa a contar os 30 dias do prazo dado para a desocupação dos terrenos. Se não houver acordo, o valor , que nunca foi divulgado para as famílias, será depositado na Justiça Federal, que vai decidir qual a quantia deve ser paga.

Pela terra, a Funai não indeniza. Porém, de acordo com o artigo 148-A - da Constituição Estadual , o Estado deve compensar as famílias que tenham de deixar terras que sejam da União, inclusive, de convênios com o governo federal. Só que ainda não há uma regulamentação para fazer cumprir a lei.

A cacique Eunice Antunes é  guarani, nascida no lado guarani da aldeia Linha Limeira, no Município de Entre Rios (SC). As índias não se manifestam muito, são mais reservadas, mas ela fala e defende o direito da comunidade, embora seja chamada de mestiça. Eunice é casada e mãe de três filhos. 

A cacique nega que vá controlar a água, após o fim do processo:

..." A água é um dos quatro elementos sagrados para nós. Não temos direito de privar qualquer ser vivo deste bem. A água é um bem público e não sou dona dela. Ninguém aqui é"... diz Eunice.

Apesar da tensão existente entre índios e o movimento contrário à demarcação, nunca houve conflito. Só protestos e inúmeras ameaças. O cano de abastecimento da aldeia foi cortado com facão em fevereiro, tudo registrado na Polícia Federal. O maior impasse se deu em novembro do ano passado, quando Eunice expulsou o índio Milton Moreira e mais 41 índios que estavam com ele dentro da área no Morro dos Cavalos. 

Segundo ela, Milton invadiu a área em abril e foi ficando. Mas ele é contra os índios. "Estava aqui e só falava contra a gente, aí a aldeia se reuniu e pediu para que ele se retirasse. Foi dada a opção para que os outros índios ficassem, mas eles preferiram seguir ele".

Milton e os demais se mudaram, então, para a Praia de Fora, há poucos quilômetros ao norte da área.


* Professora de Direito e Indigenista.