quarta-feira, 3 de abril de 2013

Sem o consumismo dos não índios, Aldeia Guarani do Morro dos Cavalos comemora a Páscoa.

Eunice Antunes, primeira cacique da Aldeia
Maria Rachel Coelho e as crianças empolgadas com seus chocolates


Nenhuma criança ficou sem chocolate nessa Páscoa


Evidente que toda criança adora chocolate. Foi com muita alegria que fui recebida pela cacique Eunice e seu pai o Professor Adão no sábado de Aleluia na Aldeia Guarani do Morro dos Cavalos. Não faltou nem um coelhinho ou uma cenoura de chocolate para os curumins.

Receberam os chocolates com empolgação, seus olhos brilhavam e acabamos sentados na Escola lendo livros e conversando sobre a Páscoa. As próprias crianças me contaram um pouco da história da Aldeia, o que fazem além de estudarem e como se divertem com os amigos e com arco e flecha que são produzidos na Aldeia para serem vendidos aos turistas que passam pelo Km 233 da BR 101.

Localizada a aproximadamente 50 km de Florianópolis no bairro da Enseada de Brito, no Município de Palhoça, no Estado de Santa Catarina, com uma população de aproximadamente 200 moradores, divididos em 37 famílias, a Aldeia é demarcada desde a ponte do rio Massiambú até a ponte do rio Brito, no Município de Palhoça, e ocupa os dois lados da rodovia BR-101. O tamanho total é de 1.988 hectares.

O Professor Adão, um dos mais velhos da aldeia, educador e articulador junto à escola guarani nos contou muito sobre a educação guarani, a importância das escolas indígenas e uma educação diferenciada que contribua na valorização da cultura guarani, além de uma formação sobre a cultura brasileira e a língua portuguesa. Os guaranis possuem alfabetização bilíngue: guarani e português. Eles lutaram muito para conquistar o direito de ter suas próprias escolas e de construirem seu processo de ensino, de acordo com sua cultura, sem perder de vista o mundo dos não-índios.

Eunice explicou sobre a educação guarani que, para eles, não faz sentido dividir o conhecimento por disciplinas (matemática, história, língua, geografia etc), pois tudo está relacionado. Então, eles ensinam tudo junto a partir de um tema único.

Uma das referências da Aldeia é também o coral das crianças que cantam e encantam. O coral é acompanhado por violão, violino, um tipo de tambor e um chocalho. As músicas se dividem em vozes de meninos e vozes de meninas, num sistema semelhante à perguntas e respostas, sendo que os meninos "perguntavam" e ambos respondem em uníssono. Depois, Eunice explicou o significado das canções: a primeira, convidava as crianças para ir à casa de reza reverenciar o Grande Espírito e a segunda era como uma oração que dizia ao Grande Espírito que, quando ele chegasse à Terra, todo o povo estaria preparado para recebê-lo e ir para o céu com ele.

Uma mulher cacique

Kunhangue Rembiapo é uma expressão guarani que significa “trabalho das mulheres” e faz todo sentido na Aldeia M’Bya Guarani do Morro dos Cavalos.

Desde os 5.000 anos de ocupação tupi-guarani na região, pela primeira vez uma mulher assumiu o posto de cacique da Aldeia. Eunice Antunes que tem 33 anos, foi eleita com as bênçãos de seu povo e de Nhanderú (o Deus sol e guardião dos Guarani). Eunice vem transformando a vida na Aldeia por meio de uma silenciosa revolução cultural de revalorização das tradições ancestrais.

Com um senso de não-aceitação com o que lhe é imposto, Eunice foi a primeira guarani da região a concluir um curso universitário. Ela foi também a primeira mulher a se tornar professora, e agora a primeira a ser cacique.

Na cultura guarani, a mulher foi desde sempre educada para servir, cuidar dos filhos, sem participar das tomadas de decisão. Mas ela aprendeu que a educação deveria ser algo democrático.

Seu pai, Adão Antunes, ou Karai Tataendy (Karai = líder; Tataendy = chama de fogo) é o escritor da aldeia. Também é professor e já publicou um livro sobre á cultura do povo guarani.

O que faz o cacique?

O cacique tem a função de atender as necessidades da comunidade. “Tem que levar as demandas da aldeia para fora e, da mesma forma, trazer o que é bom para dentro”, diz Eunice Antunes.

Ela explica que, antigamente, a organização indígena tinha o pajé, ou karaí, que era a principal liderança. Era ele quem dava ordens e quem recebia os ensinamentos de Nhanderú (Deus sol) e repassava para o povo. “Depois do contato com os brancos é que se criou a figura do cacique”, conta. No começo, os caciques eram parte de uma estratégia dos guaranis para não serem mortos pelos brancos. Eles se entregavam para não morrer, e serviam como porta vozes, diziam a seu povo o que os brancos mandavam. Eram como executores.

Sobre o "Conflito"

Assim que o Ministro da Justiça, Tarso Genro (substituindo Márcio Thomaz Bastos), assinou a Portaria Declaratória, um grupo de moradores do entorno da Terra Indígena bloqueou a rodovia federal BR 101 em protesto contra o ato do ministro e pedindo a revogação da Portaria.

A pressão contra a demarcação das terras indígenas não é novidade no Brasil. A inoperância e a omissão dos sucessivos governos também fazem parte de nossa história. Com o Estado omisso, são abertas possibilidades para que os contrários às demarcações adquiram mais força e mais espaço nas decisões.

A demarcação de uma Terra Indígena é um procedimento administrativo, porém ela adquire contornos políticos e seu equacionamento verdadeiros embates, muitas vezes judiciais.

Durante os primeiros anos do governo Fernando Henrique Cardoso, esses setores contrários impuseram uma nova metodologia na demarcação das Terras Indígenas, com a edição do Decreto 1775/96 incluindo o contraditório. Esse decreto dificultou enormemente a demarcação de terras no Brasil.

Ainda que faltem diversas etapas para a conclusão do procedimento administrativo, a Portaria Declaratória de 2008 significa que a Terra Indígena foi oficialmente reconhecida.

Com a terra demarcada definitivamente, automaticamente todos vão se sentir mais seguros e vão fortalecer a cultura, assim como, com mais espaço, desenvolver a agricultura. A maioria das taquaras(as plantas medicinais), está na terra indígena, assim como as sementes das quais os índios precisam para fazer artesanato.

Na verdade, houve uma mobilização, não dos moradores que estão dentro da terra indígena, mas de um morador de fora da área e que há tempos persegue os índios dali desde uma matéria da revista Veja, em 2007. Desde que veiculada tal reportagem, começou essa conversa de que vão vir índios do Paraguai, que os índios vão monopolizar as nascentes e demais "fofocas". Apesar disso tudo o processo de demarcação tem ocorrido de forma tranquila. Alguns protestos ocorreram mas tudo pacificamente, inclusive, a maioria dos moradores já procurou a FUNAI.

Após a desintrusão, ocorrerão os processos de homologação e registro da terra. O mais demorado é a desintrusão, pois depende de alguns estudos e negociações. As outras etapas são logo em seguida, e depois de tudo concluído os índios poderão ocupar o outro lado da rodovia também.

Eunice afirma que desde o início da demarcação os índios da Aldeia têm conhecimento que a Enseada de Brito é abastecida com a água que vem da área da terra indígena.

... “Nós não estamos dizendo que somos donos da água, porque ninguém é dono da água, todo mundo precisa e utiliza a água; a gente nunca tomou decisões assim de vandalismo, de ameaça, a gente fez tudo pacificamente; eu acredito que a água não vai ser um problema, ela vai estar dentro da terra indígena, a terra é nossa, mas a água é de todos”... afirma Eunice.

Ocupação do Morro dos Cavalos

Quanto ao questionamento dos moradores da Enseada e do entorno, de que os índios vieram na década de 1990 para o Morro dos Cavalos, ao responder, Eunice remonta à chegada dos portugueses ao Brasil:

...“Eu vou começar lá desde o início, nós falamos da invasão européia, pois antes todo mundo vivia aqui, não tinha limites, era um território bem grande e aí, quando os portugueses foram chegando, os açorianos, espanhóis, alemães foram entrando, quando não dava um conflito, pois tinha aquela parte da evangelização, do trabalho escravo, e o guarani era um dos povos mais pacíficos, que fazia de conta que acreditava no que eles falavam para não morrer, era uma estratégia de sobrevivência, mas muitos fugiram e foram para as encostas”...

A cacique explica que os índios passaram a voltar para as áreas originalmente ocupadas depois da Constituição Federal de 1988, que garante alguns direitos aos indígenas e a partir disso, os que estavam escondidos, camuflados, em vários lugares, começaram a lutar pelos direitos. E aí muitas pessoas ficam pensando: ‘como os índios estão surgindo agora?’, porque antes nós não tínhamos esse direito e era assim, ou brigava e morria ou se submetia à regra deles”.

Eunice considera que a luta indígena assusta ou causa pânico em algumas pessoas. “Porque hoje tem índios que estão na Universidade, que estão cursando Direito, Gestão Ambiental, e estão correndo atrás dos direitos, só hoje, porque hoje é que temos essas garantias constitucionais”, ressalta.

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