quarta-feira, 14 de julho de 2010

A SAGA DOS WAIMIRI-ATROARI

Há algum tempo vem circulando na internet um email em nome de Mara Silvia Alexandre Costa supostamente do Depto de Biologia Cel. Mol. Bioag.Patog. FMRP – USP, que também vem assinado por Celso Luiz Borges de Oliveira, supostamente, Doutorando em Água e Solo FEAGRI/UNICAMP,ambos fazem, sem provas, referências absurdas sobre a Reserva Indígena Waimiri-Atroari até mesmo afirmam que existem bandeiras americanas e inglesas hasteadas no local. Que estrangeiros mandam no pedaço e autorizam ou não a passagem das pessoas no trecho da BR 174 na altura da Reserva.

Só que essa brincadeira passou dos limites, pedem,com ar de terrorismo, para que os destinatários repassem o email de modo a formarem uma rede.

Você que conhece a Reserva e sabe que tudo isso não passa de uma grande mentira peço ajuda na divulgação desse post. Mas se você nunca passou por lá e é um dos que recebeu esse email por favor leia com atenção a verdade sobre a história das aldeias e da construção da BR-174

No mais, podem deixar que tomaremos as providências judiciais cabíveis.
Maria Rachel Coelho
------------------------------------------------------------------------------
A SAGA DOS WAIMIRI-ATROARI
*Por João Américo Peret



Em 1967, o Cel. Mauro Carijó, Diretor do Der-Am,veio ao Rio de Janeiro “pedir” governo militar ao Dr. Gama Malcher, diretor do SPI/FUNAI que retirasse 11 aldeias de índios selvagens que flecharam seu avião. O caso aconteceu quando fazia vôos de reconhecimento para a construção da BR-174 Manaus-Roraima. Alegou que era questão de “segurança nacional” e que os índios não podiam atravancar o progresso e interesses do Brasil.

A conversa se tornou calorosa, porque Dr. Malcher, profissional de carreira em via de aposentadoria, era um ferrenho defensor dos direitos indígenas. E não tinha “medo de caretas”.

Nas fotografias aéreas apresentadas pelo Cel. Carijó, as choças “cogumelos gigantescos”,com mais de 80m de diâmetro, abrigava a população inteira. As roças eram abundantes,a região era de natureza bruta intocada com rios de águas negras,corredeiras e cachoeiras,como veias da floresta bem copada. Calculamos no total uns 6.500 índios povoando a região. Pela localização seriam os antigos Jauapery (Waimiri-Atroari).

Eram tempos de mudanças e transformações,o SPI virava FUNAI. Sem verba e com poucos sertanistas: irmãos Villas Bôas, Francisco Meireles, Cícero Cavalcante, Peret (autor) e João de Carvalho. Ocupados em trabalho de campo. Sugeri o colega Gilberto Pinto (ajudante de sertanista) para ser promovido e tratar do caso. E sugeri ao Cel. Carijó que fizesse o apoio logístico com helicóptero para acelerar os primeiros contatos,depois o Gilberto prosseguiria no sistema tradicional,mais lento e eficaz.

Em julho de 1968,o sertanista Gilberto conseguiu o primeiro contato amistoso com os ditos “selvagens”. O sr. José Queiroz Campos, jornalista assumiu a presidência da FUNAI (não entendia lhufas de índios). Mas fazia parte das “forças ocultas: políticos, latifundiários, empresários, missões religiosas”. Retiraram o sertanista Gilberto Pinto (FUNAI), e colocaram no seu lugar,o padre Giovanne Calleri, italiano, sem nenhuma experiência com índios (Missões Consolata(RR).

No final de 1968,a expedição Calleri desapareceu na floresta... O PARA-SAR (Grupamento de Busca e Salvamento –FAB) ficou 20 dias procurando e dizendo coisas... O sertanista Gilberto Pinto (retirado do serviço), recusava-se a ajudá-los nas buscas (e com muita razão). O Ministério do Interior e de Relações Exteriores, pressionaram a FUNAI para ajudar nas buscas. O Dr. Malcher, consultado sugeriu meu nome. Fui. Por razões óbvias o Cap. Lessa, comandante do grupamento não ficou feliz com minha presença. Provei minha experiência e desinteresse na mídia e assim fui incorporado.

Resolvemos o caso:os índios cortaram uns cipós; segui este sinal,sozinho,sob protesto do Major Lessa. Encontrei os restos mortais de uma mulher. Gritei chamando o PARA-SAR. Enquanto examinavam o achado, segui outra pista e encontrei os restos do Padre Calleri atrelado ao de outro homem. O PARA-SAR completou as buscas e o translado para Manaus.

Meses depois o sertanista Gilberto Pinto reassumiu a pacificação dos Waimiri-Atroari. Em 1972 consolidou os contatos e instalou Postos de Assistência. Levou os caciques e familiares para conhecerem Manaus. Era amado pelos índios que o chamavam de “Pai Gilberto”. Mas o sertanista da velha guarda,incorruptível,era contrário que a BR-174,passasse dentro das aldeias. Estranhamente Gilberto Pinto foi morto no Natal de 1974. Consta que “forças ocultas” (seriam compostas por políticos,latifundiários, empresários,missões religiosas). O sertanista Porfírio de Carvalho denunciou pessoas envolvidas no crime.consta até que nos ferimentos à bala, colocaram flechas dos índios para incriminá-los. O certo é que a família do Gilberto não pode ver o corpo.

O sertanista Porfírio de Carvalho substituiu o Gilberto e novamente pacificou os Waimiri-Atroari. Mas ferrenho defensor dos índios, protestava contra a BR-174 e as “forças ocultas”. Por isso foi enxotado da FUNAI... Desgostoso, foi morar em Brasília,fez faculdade e ficou por lá.

A BR-174 atropelou as Aldeias dos Waimiri-Atroari. E os índios que em 1967 seriam mais de 6.000 (seis mil),nos últimos anos estavam reduzidos a uns 380 (trezentos e oitenta). Suas terras passaram às mãos das ditas “forças ocultas”. Construíram a cidade de Presidente Figueiredo, a maravilhosa Cachoeira Maruaga (do cacique Atroari) virou atração turística. Construída a Hidrelétrica de Balbina que afogou o meio ambiente,e transformou a região num pântano fétido.; a Eletronorte explora energia elétrica e minério; o governo distribuiu as terras dos índios como devolutas. As índias foram prostituídas e a miséria se abateu sobre esse povo ao longo da BR-174.

Os índios ficaram numa Reserva Indígena diminuta. Mas são bravos! Não desistem nunca! E recuperaram a dignidade com a força interior!

Um jovem Waimiri foi enviado a procurar o “Pai Carvalho”, pegou carona num caminhão, em Manaus virou “menino de rua” perambulou indagando pelo “Papai Carvalho”.Alguém o achou parecido com índio e o levou para FUNAI.Na FUNAI ninguém sabia do paradeiro do “Pai Carvalho”.Colocaram-no num avião para Brasília. Lá virou “menino de rua”, até que identificado como índio foi levado para FUNAI. Com dificuldade foi descobrir o ex-sertanista Porfírio de Carvalho na secretaria do deputado Mario Juruna. Abraçaram-se e choraram de emoção.

O menino explicou no idioma:

- Papai Porfírio,você tem que voltar comigo para a Aldeia.Nosso povo ta acabando!

O ex-sertanista abandonou o emprego e voltou a Reserva Indígena que havia criado para os Waimiri-Atroari. A Aldeia só tinha jovens,os mais velhos haviam sido dizimados por doenças, promiscuidade, e a ferroe fogo, bala.

Porfírio reorganizou os índios dentro da tradição cultural indígena. Entrou na justiça e foi conseguindo indenizações pelos prejuízos que o governo e as “forças ocultas” deram a esses índios.
Contratou professores e técnicos de várias áreas para ensiná-los a ler e escrever em português, tecnologia para desenvolver projetos ecológicos e a região foi transformada em berçário da fauna, recuperação da flora, piscicultura,tartarugas etc.A região é Reserva Biológica. Por fim começou a comprar as terras indígenas que lhes foram tomadas. Amparados legalmente conseguiram autorização para construir guaritas e cobrar pedágio,nas suas terras invadidas pela BR-174. A noite eles barram a passagem de veículos e pessoas estranhas para não perturbarem a vida na Reserva Biológica e a eles, filhos da natureza.

Em 2006 os Waimiri-Atroari me convidaram para festejar o nascimento da milésima criança Waimiri-Atroari.

Mas as “forças ocultas” não lhes dão guarida. Na Reserva Indígena só entram pessoas de reconhecida idoneidade moral e de real comprometimento com a causa indígena.

São fantásticos esses índios Waimiri-Atroari. Em poucos anos tornaram-se competentes para gerir os próprios destinos. E o amigo mais amado – PAPAI CARVALHO.


*Peret, Ex-sertanista do SPI/FUNAI,58 anos ao lado dos índios

--------------------------------------------------------------------

Comunidade Waimiri Atroari comemora o milésimo nascimento :

Os índios Waimiri Atroari, habitantes da Terra Indígena homônima, situada ao norte do Amazonas e sul de Roraima atingiram a população de mil pessoas com o nascimento de um menino, filho do casal Anapidene e de Ketamy, no último dia 26 de setembro, na aldeia Yawara. A chegada do milésimo kinja, auto-denominação dos Waimiri Atroari, representa a recuperação desse povo, que esteve próximo à extinção na década de 70, com o avanço da construção da estrada que liga Manaus (AM) à Boa Vista (RR) e da atividade mineradora na região. A recuperação dos Waimiri Atroari foi possível, graças ao Programa Waimiri Atroari.

O indigenista Porfírio Carvalho, servidor aposentado da Funai, é o coordenador do Programa Waimiri Atroari, criado em 1987 para recuperar o processo de repopulação e provável extinção desse povo. Segundo Profírio, o Programa foi elaborado em conjunto com os indígenas, com a participação de profissionais e técnicos especializados em diversas áreas. O objetivo inicial foi recuperar as terras e proporcionar sustentabilidade, com qualidade de vida para esses indígenas, ameaçados com o avanço desenvolvimentista da década de 60/70. Hoje, o programa emprega mais de 80 técnicos, cuida da saúde, educação, cultura e sustentabilidade econômica desse povo e tem o site http://www.waimiriatroari.org.br/.

Em 1969, quando Carvalho conheceu os Waimiri Atroari, eles eram altivos e guerreiros. Ao reencontrá-los em 1986, "estavam doentes, tristes, perambulando pela BR 174 (Manaus-AM a Boa Vista-RR), esmolando carona e comida dos caminhoneiros. Morriam, em média, 20% ao ano e caminhavam para a extinção", relata o indigenista, que sempre se dedicou à questão indígena, e hoje trabalha especialmente, junto aos Waimiri Atroari e aos Parakanã, no Pará, e ainda colabora com os Guajajara, do Maranhão. Carvalho não esconde sua comoção, quase paterna: "Saí contando para todos: nasceu o milésimo Waimiri Atroari!... Parece que os vejo todos, todos os mil na minha frente... Eu estou feliz. E grato a todos que me ajudaram a realizar este sonho", concluiu o indigenista vitorioso.

8 comentários:

Luiz Henrique disse...

Poxa essa história tinha que virar filme, sensibilizaria e trazia aos olhos de todos uma realidade do nosso país colosso.

Profa Maria Rachel disse...

Meu querido, tomara que a história não se repita com a construção de Belo Monte. Obrigada por toda a ajuda que tem me dado na causa!
um beijo
Rachel

Anônimo disse...

unallikCara Professora...
Tenho um sonho de realizar um belo documentário sobre essa história dos waimiri. Se um dia pudermos ter contato, lhe agradeço.
Jefferson Coronel

luana disse...

História indigena é sempre fascinante, principalmente quando tem o nome de meu pai Gilberto Pinto de Figueiredo Costa que tinha amor pelo que fazia tanto é que morreu em serviço.
Como disse a Professora Maria Raquel: tomara que a história não se repita..., as dificuldades que os sertanistas passaram jamais devem se repetir.
Recordo pouca coisa a respeito da morte do meu pai,porque na minha casa falamos pouco do assunto pois é muito doloroso para minha mãe e para os filhos.

Um abraço,

Luana Joia de Figueiredo Costa Balbino

Obs.: meu email para contato luana.joia@uol.com.br

MDulce disse...

Prezado Senhor: Não o conheço mas conheci bem José de Queiroz Campos, meu pai. Nunca foi apaniguado de ninguém. O extinto SPI era um vexame em contravençoes e o Gal. Albuquerque Lima solicitou a meu pai que elaborasse um estatuto para uma Fundação. Depois de feita disse: agora vc assume. Meu pai foi advogado, jornalista, professor e administrador. Prestou concurso para a C.dos Deputados e depois de aponsentado para o S. Federal. Escreveu um livro que nunca foi publicado porque a Revolução não deixou: "Nós, os assassinos dos indios". Caso queira estou as suas ordens para qualquer explicação. Devo dizer que a FUNAI, depois de meu pai, só teve presidentes apaniguados. Conheci vários indigenistas e muitas tribos. José de Queiroz Campos tinha paixão pelos indios e sobremodo pela justiça, a ética e a moral. Atenciosamente, Maria Dulce Vieira de Queirós Campos
mdulcecampos@gmail.com

Catarina Santiago disse...

Olá, recebi um email com o título "Desabafo de um Doutorando em Roraima", falando sobre a tribo Walmiri Atroari e vi um texto seu contestando as informações ali difundidas. Queria, então, saber se vocês já descobriram de onde saiu esse email e quem são os responsáveis, pq é de assustar o que tá escrito ali.

Anônimo disse...

Agora tão inventando que esse desaparecimento dos Kayowás foi uma ação organizada do governo daquele período, que teria, segundo eles, 'exterminado' intencionalmente e sistematicamente os índios. Pelo que leio aqui, as causas do 'sumiço' foram diversas: perda de suas terras, confronto com os brancos, doenças, álcool, prostituição, etc. Não seria algo comparável - embora igualmente terrível - ao extermínio dos militantes da Guerrilha do Araguaia, cuja causa foi política e de manutenção do poder imposto.

Anônimo disse...

Possivelmente devam existir mais Waimiri-Atroari fora da terra indígena, do que em seu interior. Houve uma verdadeira diáspora com o contato, tendo eu conhecido um Waimiri em Boa Vista-RR, cuja família perfazia 1% da população existente na reserva, espalhada por Manaus, Parintins e no estado do Tocantins. A Br 101 foi concluída somente em 1998, chegando até a fronteira com a Venezuela. O 6 BEC, em Boa Vista, tem em seu acervo, bem como na cidade de Presidente Figueiredo. A BR é fechada à noite por determinação judicial, uma vez que uma grande quantidade de animais a transpõe à noite. Lembro-me das comemorações do Kinja 1000, já são mais de 1500 waimiris agora. O padre Calleri morreu em condições suspeitas (vide livro Massacre). Morei vários anos entre os Yanomamis e Yekuanas, sou agradecido por isto.