sexta-feira, 1 de junho de 2018

Democracia é representatividade plena!

Democracia é representatividade plena! 



 *Por Maria Rachel Coelho Pereira





Só se efetivando a cidadania, e isso se comprova com atos na prática, se alcança o objetivo, em profunda consonância com os anseios do povo brasileiro e com valores humanísticos e Princípios Constitucionais. ________________________________________________________________________ 


Sieyes ficou conhecido como primeiro teórico constituinte do nosso tempo. Elaborou uma teoria sobre o Poder Constituinte, este, surgindo de um processo histórico, revolucionário (Revolução Francesa), onde o povo se ergue contra o Estado. Fundada nessa ideia nasce uma Teoria de Poder Constituinte que tem como titular o povo. A fonte capaz de criar os poderes do Estado, fonte criadora e superior a este. 


Então o titular do Poder Constituinte é o povo. Mas quando nos deparamos com a Constituição de 1937, feita por um ditador, a de 1824, outorgada por um imperador ou a de 1967 ou a de 1969, nenhuma delas foi feita pelo povo diretamente nem por seus representantes com essa finalidade. 

Temos que romper com a ideia de que o Poder Constituinte é sempre democrático. Não adianta se falar em democracia com uma Constituição que não funciona e com representantes que não representam os anseios do povo. 

Não é só o povo que faz Constituição mas quem consegue de alguma forma elaborá-la. O titular do Poder Constituinte é quem consegue fazer a Constituição, o povo, o imperador, Getúlio Vargas, Napoleão e a partir dessa teoria conseguimos aceitar Constituições outorgadas por outros titulares. 

Isso também não se confunde com a legitimidade de uma Constituição. Esta elaborada vamos discutir se é legítima ou não, se os representantes eleitos pelo povo a estão cumprindo, entrando na questão da democracia. Democracia exige participação efetiva do titular, que no caso do Estado brasileiro se dá pela representação; igualdade de voto; entendimento esclarecido; controle da pauta política; e inclusão. 

O critério de legitimidade está ligado à vontade popular. É a aferição com a vontade popular, se a representatividade funciona ou não pois até pode-se ter uma Constituição elaborada e efetivada por um tirano mas atendendo aos anseios daquela sociedade. Convencer o povo de que votam e são representados e vivem num Estado democrático, porque está escrito numa Constituição elaborada por seus representantes e por isso é legítima é enganá-lo, ludibriá-lo. Temos que dissociar a questão da legitimidade do processo de elaboração e de efetivação pois legitimidade verdadeiramente nada tem a ver com o processo de elaboração e efetivação da Constituição e das leis. 

Desta forma, a Constituição Federal de 1988 está longe de ser democrática e caminhando para seus 30 anos de vigência, nada temos a comemorar. Tão somente o fato de ter sucedido um quarto de século de governo autoritário, de um governo de exceção. Uma transição de um estado autoritário para um estado democrático, mas uma democracia falha de acordo com Democracy Index 2017, o Brasil está na 49ª colocação (2). Ou pelas várias constituições contidas nela de acordo com o tema, como por exemplo; a constituição dos índios, a constituição verde, a constituição da criança e do adolescente, a constituição da educação etc. Constituições setoriais, axiológicas, valorativas, consideradas pela parcialidade que instituem na perspectiva dos temas. E que integram um Princípio maior que é a Dignidade da Pessoa Humana. Não se fala mais em Constituição integral, porque a sociedade saudavelmente diferenciada é imune ao totalitarismo hegemônico das eventuais minorias que empolgam o poder. O que há de integral é a pessoa humana e sua interpretação para que esse direito se efetive. 

Um texto promulgado, que diga-se de passagem, totalmente emendado, fora as mais de 1,5 mil propostas de emendas que tramitam no Congresso, (uma delas quer mudar a forma de demarcação das terras indígenas). E aqui faço uma ressalva: nada contra emendar a Constituição que, quanto à sua estabilidade, é classificada como rígida (art. 60, §2º.), mas que se emende quando seja necessário e seu texto esteja desatualizado, temas como a reforma política e a criação de um sistema tributário mais justo (isto é, mais progressivo e redistributivo), ajustes no pacto federativo, o aperfeiçoamento do processo legislativo, dentre tantas outras. Aliás, o legislador constituinte originário teve a sabedoria de compreender suas limitações e autorizou os agentes constituídos, que desnecessitam de esperar por leis, na realização de fins maiores, como é o caso das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, que tem aplicação imediata. 

Não basta o texto contemplar a vontade popular. Uma Constituição e um Estado democráticos não se resumem a textos mas se apuram na prática. Enquanto não entendermos isso a Constituição vai continuar sendo apenas a "mãe das leis", a “Constituição Cidadã” mas não de nossas crianças, nossos índios, nossa floresta, nossos trabalhadores, nossos idosos e de todos os excluídos. E o Brasil vai continuar caindo nos rankings que classificam os países que vivem uma democracia de verdade.Temos que assumir isso, de forma compartilhada, Executivo, Legislativo e Judiciário. Revivendo outro processo histórico, revolucionário. A Revolução do século XXI exige igualdade de oportunidade a todos e essa inclusão só se dará quando o povo for efetivamente representado. 

Enquanto não tivermos um funcionamento efetivo de um governo eleito e respeito ao Estado de Direito ( functioning of Government e Rule os Law), representando legitimamente o povo; um Congresso com parlamentares que honrem seus compromissos sociais assumidos com seus representados (o povo, verdadeiro titular); e a mais alta Corte do país interpretando de forma fiel os dispositivos constitucionais, transmitindo segurança jurídica aos jurisdicionados para que se faça respeitada, enquanto cortarem gastos com a saúde e investimentos com a educação para baixar o diesel, enquanto houver miséria, analfabetismo, desemprego; enquanto não respeitarmos o direito intangível e originário dos povos indígenas de usufruírem de suas terras sem ameaças; enquanto as multas administrativas aplicadas pelos órgãos ambientais não forem cobradas e pagas, não teremos a moral de falar em Democracia. 

A Constituição de 1988 não foi nem será cidadã e o Brasil não é nem será um Estado Democrático enquanto não percebermos isso.
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(2) Economist Intelligence Unit Democracy Index é uma unidade de Inteligência da revista inglesa The Economist, que elabora o Índice de Democracia examinando o estado de democracia em 167 países, elaborando um ranking de acordo com o nível de seu regime de governo, quantificando-a, concentrado em cinco critérios: I) processo eleitoral e pluralismo (electoral process and pluralism); II) funcionamento do governo (functioning of government);; III) participação política (political participation); IV) cultura política (political culture); e V) respeito às liberdades civis (civis liberties). Ao final da pontuação, os países são classificados em quatro categorias: democracias plenas (full democracies); democracias falhas (flawed democracies); regimes mistos entre democracia e autoritarismo ( hybrid regimes); autoritários (authoritarian). 



*Maria Rachel Coelho Pereira é Doutora em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas, (UNICAMP), Pós-Doutoranda em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra (UC), Mestre em Direito pela Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá (UNESA), Especialista em Direito Público e Privado; Direito Penal e Processual Penal e Direito Civil e Processual Civil pela UNESA. Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), nesta, na condição de convidada. Aprovada no XXXVII Concurso para Magistratura de Carreira do Estado do Rio de Janeiro, em maio de 2003, Professora da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e da Escola de Magistratura do Amazonas. Parecerista em Causas Indígenas. Palestrante da Academia Brasileira de Letras desde 30 de agosto de 2012, inclusive com artigos publicados na Revista Anual desta Instituição. Indigenista há mais de 20 anos, atuando em várias causas, dentre elas, a demarcação da TI Raposa e Serra do Sol em Roraima; O Antigo Museu do Índio do Maracanã; A permanência dos Guarani em Camboinhas, Niterói; A situação dramática dos indígenas processados e presos em Mato Grosso do Sul; A questão dos suicídios em Dourados, dentre outras.

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